sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Boletim Canumã: Entrevista com o geógrafo Renato Muniz

Água: a responsabilidade nas mãos de empresas e cidadãos

“As empresas disseminam suas práticas, de modo positivo, quando tomam atitudes de proteção, de economia, de reciclagem, de reaproveitamento, ou de modo negativo, quando descartam resíduos sem o devido tratamento, quando produzem sem os cuidados necessários com a saúde e o meio ambiente, ou quando não se preocupam com questões como o desperdício.”


Geógrafo formado pela USP, especialista em educação pela Universidade de Uberaba e Mestre em Geografia com área de concentração em Análise e Planejamento Socioambiental pela Universidade de Uberlância, Renato Muniz é hoje uma das principais referências em geografia no Brasil.
Atualmente leciona e coordena o curso de Engenharia Ambiental da FACTHUS - Faculdade de Talentos Humanos, em Uberaba (MG).

É ele quem fala nessa edição para o Boletim Canumã sobre o uso consciente da água e sobre o cenário atual desse bem de consumo indispensável para a vida no planeta.

Boletim Canumã - Qual o real cenário do desperdício de água atualmente?
Renato Muniz - O atual cenário de desperdício de água é preocupante. Mas a resposta exige algumas considerações no sentido de esclarecer quais são essas preocupações básicas. A quantidade de água no planeta é fixa, ou seja, a Terra não perde e nem recebe água (não de modo significativo) de fora do planeta. Sabe-se, entretanto, que cerca de 97% da água na Terra é água salgada. O restante, cerca de 2,5%, é água doce, e parte dela está disponível para as plantas, os animais e os humanos. Considerando-se isso no total do planeta, tem sido suficiente para as atividades humanas em quase todos os locais, mas é pouco, em termos absolutos. Isso significa que deveríamos usar com responsabilidade. Acontece que a necessidade de água consumida, imprescindível para impulsionar as atividades econômicas e de sobrevivência, tem aumentado consideravelmente, sendo inclusive impressionante o volume que já se retira dos lençóis e dos aquíferos. Além do aumento da utilização, tem ocorrido a contaminação dos cursos d’água, das diversas fontes e dos aquíferos. Considero desperdício a contaminação, a perda por escoamento superficial, associada à erosão, as inundações, a água que desce nos deslizamentos de encostas, sem contar a água já tratada que é usada para lavar calçadas, automóveis, a água que “sai pelo ralo” ou pinga das torneiras, etc. Não vivemos sem água, e as legislações modernas tendem a considerá-la um direito de todos. Desperdiçá-la é um retrocesso.

BC - Podemos dizer que estamos em uma situação de emergência?
RM - Em alguns lugares sim. Se considerarmos a questão da qualidade, a situação é mais complicada. A emergência refere-se às questões que envolvem o uso da água. Água limpa, sem poluentes, obtida em mananciais sem contaminação é um recurso cada vez mais raro. A água disponível para as populações urbanas escasseia, principalmente nos grandes centros urbanos. Água para indústrias, dependendo das atividades desenvolvidas, ainda está disponível, dependendo da região (e algumas empresas necessitam de muita água!). A água para irrigação começa a passar por uma situação de regulamentação legal que pode dificultar e coibir o uso indiscriminado. Mas a velocidade do aumento no consumo tem sido maior do que a capacidade que temos de realizar a descontaminação.

BC - Como o senhor enxerga, hoje, a relação homem x natureza?
RM - Esta é uma relação inevitável e indispensável. Podemos começar por situar os humanos como seres que fazem parte da natureza, que “são” naturais, portanto é um vínculo indissociável. Mas, à medida que as sociedades históricas se modificaram, as necessidades passaram a ser outras, de outro tipo, mais complexas, as concepções sobre a natureza e sobre os próprios indivíduos se alteraram. Os inúmeros usos dos recursos se transformaram quantitativa e qualitativamente e, pode-se dizer, criou-se um distanciamento. No entanto, não podemos dispensar os alimentos, os abrigos, o ar e a água, caso contrário, cessa a vida, e cessa o vínculo. Acredito que estamos vivendo, neste início do Século XXI, um momento de mudanças, em que a relação sociedade x natureza também passa por uma profunda modificação. São novas concepções que surgem, sobre os animais, sobre as árvores, sobre a vida, que vão exigir novos comportamentos, talvez mais responsáveis, de nossa parte, quanto à natureza.

Na natureza tudo está interligado. Se quisermos água de boa qualidade sempre, temos de evitar o desmatamento, temos de proteger os solos e os mananciais, temos de reduzir a produção de resíduos, temos de diminuir ou até mesmo eliminar o uso de venenos, temos de tratar os esgotos.


BC - Qual o papel das empresas enquanto organizações geradoras de consumo na sociedade?
RM - As empresas têm uma grande responsabilidade neste processo de mudança. Não é gratuito que muita gente fale, escreva e difunda conceitos como “Desenvolvimento sustentável”, “Responsabilidade social”, “Respeito à Biodiversidade” e outras ideias que se popularizam na imprensa, nos discursos oficiais, nas instituições científicas e acadêmicas e no cotidiano das comunidades. As empresas refletem essa realidade e disseminam suas práticas, de modo positivo, quando tomam atitudes de proteção, de economia, de reciclagem, de reaproveitamento, ou de modo negativo, quando descartam resíduos sem o devido tratamento, quando produzem sem os cuidados necessários com a saúde e o meio ambiente, ou quando não se preocupam com questões como o desperdício.


BC - Qual o papel de cada pessoa enquanto consumidora na sociedade?
RM - O consumidor tem um papel fundamental nesse mundo em transformação. Ele é um vetor de mudança, tem o poder de impulsionar as mudanças, ou frear algumas delas. É um indivíduo suscetível a várias influências, mas uma boa parcela exerce um papel de “formador de opinião”. Estes têm um grande poder, têm a capacidade crítica de forçar uma mudança de comportamento, tanto de governos quanto de empresas. Hoje, as pessoas estão mais exigentes, mais preocupadas com a qualidade do alimento, com a segurança alimentar, com a proteção da fauna, da flora e dos recursos hídricos, com a mobilidade urbana, com a qualidade de vida nas cidades e no meio rural.

A água, enquanto recurso e tem um preço, e seu preço depende da disponibilidade, do que se gasta para purificá-la, da distância que tem de percorrer até os pontos de consumo, da sua qualidade, e por aí vai. Como ninguém pode ser privado de água, cabe aos consumidores, às empresas e aos governos, ficarem atentos e fiscalizarem constantemente sua qualidade, posicionarem-se sempre contra a contaminação e contra o desperdício.


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