Água: a responsabilidade nas mãos de empresas e
cidadãos
“As empresas disseminam suas práticas, de modo
positivo, quando tomam atitudes de proteção, de economia, de reciclagem, de
reaproveitamento, ou de modo negativo, quando descartam resíduos sem o devido
tratamento, quando produzem sem os cuidados necessários com a saúde e o meio
ambiente, ou quando não se preocupam com questões como o desperdício.”
Geógrafo formado pela USP, especialista em educação
pela Universidade de Uberaba e Mestre em Geografia com área de concentração em
Análise e Planejamento Socioambiental pela Universidade de Uberlância, Renato
Muniz é hoje uma das principais referências em geografia no Brasil.
Atualmente leciona e coordena o curso de Engenharia
Ambiental da FACTHUS - Faculdade de Talentos Humanos, em Uberaba (MG).
É ele quem fala nessa edição para o Boletim Canumã
sobre o uso consciente da água e sobre o cenário atual desse bem de consumo
indispensável para a vida no planeta.
Boletim Canumã - Qual o
real cenário do desperdício de água atualmente?
Renato Muniz - O atual cenário de desperdício de água é preocupante.
Mas a resposta exige algumas considerações no sentido de esclarecer quais são
essas preocupações básicas. A quantidade de água no planeta é fixa, ou seja, a
Terra não perde e nem recebe água (não de modo significativo) de fora do
planeta. Sabe-se, entretanto, que cerca de 97% da água na Terra é água salgada.
O restante, cerca de 2,5%, é água doce, e parte dela está disponível para as
plantas, os animais e os humanos. Considerando-se isso no total do planeta, tem
sido suficiente para as atividades humanas em quase todos os locais, mas é
pouco, em termos absolutos. Isso significa que deveríamos usar com
responsabilidade. Acontece que a necessidade de água consumida, imprescindível
para impulsionar as atividades econômicas e de sobrevivência, tem aumentado
consideravelmente, sendo inclusive impressionante o volume que já se retira dos
lençóis e dos aquíferos. Além do aumento da utilização, tem ocorrido a
contaminação dos cursos d’água, das diversas fontes e dos aquíferos. Considero
desperdício a contaminação, a perda por escoamento superficial, associada à
erosão, as inundações, a água que desce nos deslizamentos de encostas, sem
contar a água já tratada que é usada para lavar calçadas, automóveis, a água que
“sai pelo ralo” ou pinga das torneiras, etc. Não vivemos sem água, e as legislações
modernas tendem a considerá-la um direito de todos. Desperdiçá-la é um
retrocesso.
BC - Podemos dizer que estamos em uma situação de
emergência?
RM - Em alguns
lugares sim. Se considerarmos a questão da qualidade, a situação é mais
complicada. A emergência refere-se às questões que envolvem o uso da água. Água
limpa, sem poluentes, obtida em mananciais sem contaminação é um recurso cada
vez mais raro. A água disponível para as populações urbanas escasseia,
principalmente nos grandes centros urbanos. Água para indústrias, dependendo
das atividades desenvolvidas, ainda está disponível, dependendo da região (e
algumas empresas necessitam de muita água!). A água para irrigação começa a
passar por uma situação de regulamentação legal que pode dificultar e coibir o
uso indiscriminado. Mas a velocidade do aumento no consumo tem sido maior do
que a capacidade que temos de realizar a descontaminação.
BC - Como o senhor enxerga, hoje, a relação homem x
natureza?
RM - Esta é uma
relação inevitável e indispensável. Podemos começar por situar os humanos como
seres que fazem parte da natureza, que “são” naturais, portanto é um vínculo
indissociável. Mas, à medida que as sociedades históricas se modificaram, as
necessidades passaram a ser outras, de outro tipo, mais complexas, as
concepções sobre a natureza e sobre os próprios indivíduos se alteraram. Os
inúmeros usos dos recursos se transformaram quantitativa e qualitativamente e,
pode-se dizer, criou-se um distanciamento. No entanto, não podemos dispensar os
alimentos, os abrigos, o ar e a água, caso contrário, cessa a vida, e cessa o
vínculo. Acredito que estamos vivendo, neste início do Século XXI, um momento
de mudanças, em que a relação sociedade x natureza também passa por uma
profunda modificação. São novas concepções que surgem, sobre os animais, sobre
as árvores, sobre a vida, que vão exigir novos comportamentos, talvez mais
responsáveis, de nossa parte, quanto à natureza.
Na natureza tudo está interligado. Se quisermos água
de boa qualidade sempre, temos de evitar o desmatamento, temos de proteger os
solos e os mananciais, temos de reduzir a produção de resíduos, temos de
diminuir ou até mesmo eliminar o uso de venenos, temos de tratar os esgotos.
BC - Qual o papel das empresas enquanto organizações geradoras de consumo na
sociedade?
RM - As empresas têm
uma grande responsabilidade neste processo de mudança. Não é gratuito que muita
gente fale, escreva e difunda conceitos como “Desenvolvimento sustentável”,
“Responsabilidade social”, “Respeito à Biodiversidade” e outras ideias que se
popularizam na imprensa, nos discursos oficiais, nas instituições científicas e
acadêmicas e no cotidiano das comunidades. As empresas refletem essa realidade
e disseminam suas práticas, de modo positivo, quando tomam atitudes de
proteção, de economia, de reciclagem, de reaproveitamento, ou de modo negativo,
quando descartam resíduos sem o devido tratamento, quando produzem sem os
cuidados necessários com a saúde e o meio ambiente, ou quando não se preocupam
com questões como o desperdício.
BC - Qual o papel de cada pessoa enquanto consumidora na
sociedade?
RM - O consumidor tem um papel fundamental nesse mundo em
transformação. Ele é um vetor de mudança, tem o poder de impulsionar as
mudanças, ou frear algumas delas. É um indivíduo suscetível a várias
influências, mas uma boa parcela exerce um papel de “formador de opinião”.
Estes têm um grande poder, têm a capacidade crítica de forçar uma mudança de
comportamento, tanto de governos quanto de empresas. Hoje, as pessoas estão
mais exigentes, mais preocupadas com a qualidade do alimento, com a segurança
alimentar, com a proteção da fauna, da flora e dos recursos hídricos, com a
mobilidade urbana, com a qualidade de vida nas cidades e no meio rural.
A água, enquanto recurso e tem um preço, e seu preço
depende da disponibilidade, do que se gasta para purificá-la, da distância que
tem de percorrer até os pontos de consumo, da sua qualidade, e por aí vai. Como
ninguém pode ser privado de água, cabe aos consumidores, às empresas e aos
governos, ficarem atentos e fiscalizarem constantemente sua qualidade,
posicionarem-se sempre contra a contaminação e contra o desperdício.
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